segunda-feira, 11 de abril de 2011

Tragédia em forma de dádiva

por Eduardo Cozer

Ela era bela de emocionar. Bela como o vôo de uma garça sobre a lagoa que reflete o pôr-do-sol, em lascas de ouro cintilante. Suave, porém decidida. Provocante na inocência de não saber como provocar. 

Seu olhar vagava sem pressa, com o brilho da sabedoria de um milhão anos, até encontrar um ponto no qual resolvia se fixar. Congelava os movimentos e fazia o objeto da sua observação queimar por dentro de um misto de alegria com ansiedade.

Mas havia de ter algum segredo. Algo errado com ela...

E havia. Ela simplesmente não encontrava alguém belo à sua altura. 

Sentia os olhos alheios deitarem-se sobre seu corpo a cada breve aceno que fazia. Quase podia ouvir os cochichos, como ruídos de ratos, que a acompanhavam por onde quer que ia. Suas narinas captavam o cheiro pútrido dos pecados que pairavam nas cabeças que flutuavam ao seu redor. Era como se por onde passasse deixasse um rastro de tudo que pode haver de ruim e mais mundano. 

Ela era bela e superior àquilo tudo. E não podia conceber a idéia de descobrir o amor em meio a um bando de pessoas medíocres que nada tinham para acrescentar a sua vida.

Sua beleza extra-humana era sua condenação. A ponto de levá-la a decidir pôr fim a esta tragédia em forma dádiva. Pensou, pensou e decidiu que toda bela garça que sobrevoa uma lagoa a refletir o pôr-do-sol dourado se depara com o crepúsculo, onde não pode ser diferenciada dos demais seres, sejam belos ou feios. 


Buscou o crepúsculo, de onde nunca mais retornou.


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quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Um homem que sabia

O homem acenou suavemente com a cabeça para o sujeito que lhe direcionou um sorriso amistoso. Este, engravatado, usava terno e caminhava com uma confiança que só os jovens tolos têm.

Riu consigo mesmo, lembrando de quando era jovem. 

Depois do sujeito de terno e gravata, passaram outros tantos por ele. Não sabia muito bem o motivo, mas, sentia-se responsável por todas as figuras que passavam. Mesmo aquelas que não o cumprimentavam com a devida atenção que merecia.

Sabia que tinha muita experiência para compartilhar. Histórias e estórias para contar. Na verdade, era angustiante não poder abordá-los e alertá-los para as coisas importantes da vida. Os segredos, macetes e "pulos do gato" que conhecia. Tudo aquilo que viveu e precisava passar adiante.

Até que não agüentou e abordou uma moça jovem e impecavelmente arrumada. Calculou mal a velocidade com que levantou da sua cama de papelão. Calculou muito mal. A bocarra abriu assustadoramente, emitiu um som gutural e seu aspecto sujo provocou um gritinho de medo da mulher. E assim, foi mal entendido.

Não teve tempo de reagir e se explicar, pois, um policial afobado e despreparado puxou o gatilho rápido demais... Já não adiantava mais lutar. Seu destino estava decretado. Mas não foi isso o que mais doeu...

Enquanto mantinha um fio tênue de lucidez, chorou copiosamente pelo fato de carregar consigo todos aqueles conhecimentos que não iria poder transmitir às novas gerações. Sabia que sabia demais. E saber demais sem poder partilhar é quase tão doloroso quanto não saber nada.


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domingo, 23 de janeiro de 2011

A história de um Cara

por Eduardo Cozer

E houve aquele caso que nunca foi esquecido.

Era mais ou menos assim: um cara dito "bem nascido", que teve tudo do bom e do melhor...

Acontece que ele teve muito e quis muito mais. E batalhou por isso. Sangrou, chorou, titubeou em momentos de agonia. Nunca parou nem desistiu. Venceu.

Esse cara? Ele foi um dos seres humanos mais felizes que o Sol já teve a honra de tocar. E hoje todos querem ser como ele foi. 

O que ele tinha de especial? Acreditava que podia ir além exatamente naquele momento em que todos os outros fraquejavam e decidiam que já tinham ido longe demais. 

Grande cara!

"A sorte favorece os destemidos" - Publius Vergilius Maro (70 a.C. - 19 a.C.)

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quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A sutileza entre lenda e a realidade

por Eduardo Cozer

A lenda começou já faz um tempo, em algum momento no início do século XIX. Nico era querido no vilarejo onde vivia pelo seu sorriso fácil e o poder de demonstrar interesse por todas as pessoas, sem distinção. Gostava das coisas simples e considerava uma grande conquista se conseguisse fazer um conterrâneo que vagasse cabisbaixo pelas ruas atoladas de neve um pouco mais otimista e confiante perante a vida.

A primeira vez que Nico incorporou a figura de São Nicolau de fato foi num seis de dezembro e ele trajava roupas que o tornavam mais parecido com uma figura bíblica, um bispo talvez. De barba feita e nada de cabelos brancos, aliás. Na primeira aparição na História da figura do Papai Noel, o mais importante na verdade era a missão de entregar "fazedores de sorrisos", "gatilhos de gargalhadas" e "escapamentos de alegria" numa terra de frio extremamente rigoroso. Munido de presentes, São Nicolau não esqueceu de uma criança sequer do pequeno vilarejo na Lapônia, Finlândia. E cumpriu sua missão sem ter sido visto por ninguém.


Entretanto, diferente dos dias atuais, não foram todas as crianças que ganharam presentes que desejavam. As crianças de comportamento inadequado em suas casas, desrespeitosas com mais velhos e autoridades, mimadas e descompromissadas com os estudos ganharam uma pedra de carvão, como forma de refletirem sobre seus atos. Nada mais inútil para uma criança do que um pedaço de carvão. Desta forma, com o tempo, e mais rapidamente entre os jovens, o mito do Papai Noel se expandiu. E da mesma maneira, Nico percebeu como poderia distribuir sorrisos pelo mundo inteiro.

Correspondeu-se com homens e mulheres de integridade inquestionável para que o ajudassem a tornar a lenda real para mais e mais crianças. E, desta forma, a cada ano que passava, todas as crianças que tiveram bom comportamento eram presenteadas e as que não haviam se comportado bem recebiam pedras de carvão. A irmandade foi crescendo até se tornar uma seita secreta com motivações altruísticas. A partir daí surgiram as fantasias, as renas, a chaminé e demais adereços. Para a magia ser completa é necessário que haja uma capa de segredo sobre a realidade.

O que se comenta é que até hoje pessoas são recrutadas ao redor do mundo inteiro para se tornarem responsáveis pela missão de entregar "fazedores de sorrisos", "gatilhos de gargalhadas" e "escapamentos de alegria" às crianças de sua região. E se o seu Natal e de seus conhecidos tem sido vazio e sem magia, talvez seja porque falte alguém com uma centelha do espírito do já falecido Nico, capaz de dar um sorriso fácil e demonstrar interesse pelas pessoas, pelas redondezas da sua região. A questão é se você quer fazer parte da magia ou do Natal vazio e sem graça.


* A Usina de Contos deseja um Feliz Natal, cheio de magia e sorrisos, a todos os seus leitores!
** Apesar de conter algumas informações tidas por algumas pessoas como verídicas, este conto não tem compromisso com a verdade, mas sim com a passagem de uma mensagem.

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domingo, 19 de dezembro de 2010

Lições sobre um cavalo selvagem



por Eduardo Cozer

O cavalo selvagem trotava despreocupadamente pelo vasto mar de capim, como fizera por toda sua vida. Gostava de testar a explosão dos seus músculos e sentir o vento matinal pentear sua crina castanho-clara. Naquele fatídico dia, bebeu da água mais pura do lago que visitava diariamente. Mas então, quando o sol já havia atingido razoável altura na abóbada azul sobre sua cabeça, o jovem cavalo selvagem alcançou os limites de terras conhecidas até então. Nunca havia passado da densa floresta à sua frente.

- Por que não? - lançou o desafio para si mesmo, fungando com suas enormes narinas, enquanto curtia a adrenalina da possibilidade de viver uma grande aventura.

- E se o capim do lado de lá for ainda mais saboroso? E a água mais pura? - pensou além.

De maneira que nada mais podia detê-lo. E ele foi. Atravessando a floresta, sentiu calafrios e suas orelhas pontudas captaram sons estranhos em toda sua volta repetidas vezes. Sua imaginação eqüina lhe pregava peças e o fazia pensar em criaturas assustadoras que seriam capazes de dominá-lo toda vez que ouvia um ruído diferente vindo de trás das árvores.

- Toda grande recompensa exige uma árdua provação - convenceu-se, determinado a prosseguir. Afinal de contas, era um cavalo selvagem e precisava mais do que uma floresta escura para tirá-lo do seu caminho.

Ao sair da floresta densa, pode avistar algo novo, totalmente diferente. Era como se fosse uma toca de algum bicho muito, muito grande. E havia uma área ainda maior cercada por algo que pareciam troncos deitados e metodicamente empilhados. Muito curioso. Lá avistou um cavalo como ele, porém malhado, gordo e cheio de ornamentos sobre si. No mínimo excêntrico.

- Saudações, amigo eqüino! Como vai você? - perguntou cheio de entusiasmo o cavalo selvagem, maravilhado com a imponência de tudo que o cercava. Havia de ter chegado num lugar melhor.

- Quem é você? Eu já o vi antes? Duvido muito! Hummm... Como você chegou deste lado? Oh não! Rápido, rápido, esconda-se antes que eles o vejam - disparou o cavalo gordo de olhos ansiosos. Era óbvio que ele sabia de algo que seu interlocutor desconhecia completamente. E esta defasagem de informação o deixava ainda mais histérico.

- Calma, calma... O que há com você, meu amigo relinchador exagerado? Vejo um belo ambiente, grama verdinha a se perder de vista, água a um trote de distância... O que eu deveria temer por aqui? Acabo de vir da floresta. Não há nada lá. Ela é um pouco assustadora para quem não conhece, eu sei, mas... - falou e falou, posando de herói, até ser interrompido abruptamente.

- Tarde demais! Eles estão vindo, sua mula!!! Corra!!! - alertou mais uma vez o cavalo gordo e malhado.

- Quem? Aquelas figurinhas ridiculamente pequeninas? - indicou com seu pescoção comprido os quatro homens que vinham caminhando em sua direção - É a eles que devo temer? - relinchou longamente o cavalo selvagem do débil desespero do outro.

Foi então que, mais rápido do que uma batida de coração, sentiu uma pontada forte na sua anca. Uma dor profunda e lancinante. Passados alguns instantes, era como se seus músculos não mais o obedecessem. Ouviu mais alguns apelos em vão do companheiro que havia tentado alertá-lo mas já não conseguia discernir o que era real e o que era penumbra. Desabou inconsciente.

Desconhecia rédeas, selas e estribos. Nunca havia experimentado rações, água parada no bebedouro e a mobilidade estabelecida pelo comprimento de uma corda amarrada ao seu pescoço. Começava a entender que nada tinha de bom no lado de cá, além da floresta, que fora, de certa forma, sua proteção por tantos anos. E, acima de tudo, não suportava a visão do cavalo gordo e malhado que sempre lhe direcionava um olhar penoso e sem vida.

O jovem cavalo selvagem descobriu que para algumas duras provações impostas pela vida não havia recompensa equivalente. E descobriu da pior maneira possível. Tornou-se um velho cavalo domesticado e infeliz. 

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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Flores para Suzana



por Eduardo Cozer

Naquela manhã, Arlindo era a felicidade materializada em pessoa. Carregava um sorriso suave e abobalhado estampado nas faces e os pés não pareciam tocar o chão. O nó folgado em sua gravata e a parte posterior da perna esquerda da calça presa pela meia social contrastavam com a cautela com a qual o homenzarrão carregava o buquê de flores. Era nítido que Arlindo nadava a largas braçadas pelo oceano límpido do amor e apenas isso importava.

Deu uma passadinha à frente da casa dela antes de seguir para o batente. Ameaçou bater à porta, mas achou melhor apenas deixar as flores à soleira. Quando desceu os degraus da porta da casa da amada, parecia ainda mais anestesiado para a vida. Arlindo vivia um sonho rosado, brilhante, com um lindo rosto e belo corpo. Sentia que alguns homens que passavam o olhavam com o canto dos olhos, invejando-o pelo gosto pela vida que esbanjava. Naquela manhã, Arlindo se sentia amplamente superior a todos eles. Estava amando.

Suzana! Ah! Quanto mais pensava naquele nome, mais entorpecido ficava. Tinha algo nele... Talvez fosse um toque de aroma de dama da noite, talvez a sonoridade ou talvez por lembrá-lo da mulher amada. Só talvez... Enquanto isso, tatuava no seu córtex aquele nome, cada vez que o repetia para si mesmo. Era como se não precisasse de mais nada para viver. Respirar, se alimentar ou beber água? Para quê? Ele tinha Suzana para amar.

O dia de trabalho em seu calmo escritório foi interrompido uma série de vezes por culpa do seu próprio subconsciente, toda hora sabotando-o e dizendo: “Chega de trabalhar, homem! Vá ver Suzana!”. Às dezoito horas em ponto cedeu às suas vontades. Era sempre o último a sair e isso lhe dava ainda mais tranqüilidade de passar despedindo-se da secretária boquiaberta e colegas atônitos naquela tarde. Mal a porta bateu às suas costas, já havia um boato sobre seu estado de saúde e outro sobre sua saída do escritório. Tolos! Se pelo menos eles conhecessem Suzana, perceberiam as vidas medíocres que levam... 

No caminho de volta, obviamente, desviou do caminho mais curto para casa. Escolheu o caminho do seu coração. Sentia-se um jovem indo buscar sua companhia para o baile de formatura, caminhando apreensivo pela calçada e dando um último tapa no topete desajeitado. Foi então que a viu. Suzana! Ah, Suzana... A dor. De braços dados com um João Qualquer, às gargalhadas, ela descia a ladeira, despreocupada, voltando para casa. O casal feliz passou ao seu lado. O rapaz lhe deu um breve cumprimento com a cabeça. Arlindo os deixou passar, enfiou a cabeça entre os ombros e fez uma promessa a si mesmo. Tinha de ser a última vez. Nunca mais colocaria grandes expectativas nos seus amores platônicos.


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