quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A sutileza entre lenda e a realidade

por Eduardo Cozer

A lenda começou já faz um tempo, em algum momento no início do século XIX. Nico era querido no vilarejo onde vivia pelo seu sorriso fácil e o poder de demonstrar interesse por todas as pessoas, sem distinção. Gostava das coisas simples e considerava uma grande conquista se conseguisse fazer um conterrâneo que vagasse cabisbaixo pelas ruas atoladas de neve um pouco mais otimista e confiante perante a vida.

A primeira vez que Nico incorporou a figura de São Nicolau de fato foi num seis de dezembro e ele trajava roupas que o tornavam mais parecido com uma figura bíblica, um bispo talvez. De barba feita e nada de cabelos brancos, aliás. Na primeira aparição na História da figura do Papai Noel, o mais importante na verdade era a missão de entregar "fazedores de sorrisos", "gatilhos de gargalhadas" e "escapamentos de alegria" numa terra de frio extremamente rigoroso. Munido de presentes, São Nicolau não esqueceu de uma criança sequer do pequeno vilarejo na Lapônia, Finlândia. E cumpriu sua missão sem ter sido visto por ninguém.


Entretanto, diferente dos dias atuais, não foram todas as crianças que ganharam presentes que desejavam. As crianças de comportamento inadequado em suas casas, desrespeitosas com mais velhos e autoridades, mimadas e descompromissadas com os estudos ganharam uma pedra de carvão, como forma de refletirem sobre seus atos. Nada mais inútil para uma criança do que um pedaço de carvão. Desta forma, com o tempo, e mais rapidamente entre os jovens, o mito do Papai Noel se expandiu. E da mesma maneira, Nico percebeu como poderia distribuir sorrisos pelo mundo inteiro.

Correspondeu-se com homens e mulheres de integridade inquestionável para que o ajudassem a tornar a lenda real para mais e mais crianças. E, desta forma, a cada ano que passava, todas as crianças que tiveram bom comportamento eram presenteadas e as que não haviam se comportado bem recebiam pedras de carvão. A irmandade foi crescendo até se tornar uma seita secreta com motivações altruísticas. A partir daí surgiram as fantasias, as renas, a chaminé e demais adereços. Para a magia ser completa é necessário que haja uma capa de segredo sobre a realidade.

O que se comenta é que até hoje pessoas são recrutadas ao redor do mundo inteiro para se tornarem responsáveis pela missão de entregar "fazedores de sorrisos", "gatilhos de gargalhadas" e "escapamentos de alegria" às crianças de sua região. E se o seu Natal e de seus conhecidos tem sido vazio e sem magia, talvez seja porque falte alguém com uma centelha do espírito do já falecido Nico, capaz de dar um sorriso fácil e demonstrar interesse pelas pessoas, pelas redondezas da sua região. A questão é se você quer fazer parte da magia ou do Natal vazio e sem graça.


* A Usina de Contos deseja um Feliz Natal, cheio de magia e sorrisos, a todos os seus leitores!
** Apesar de conter algumas informações tidas por algumas pessoas como verídicas, este conto não tem compromisso com a verdade, mas sim com a passagem de uma mensagem.

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domingo, 19 de dezembro de 2010

Lições sobre um cavalo selvagem



por Eduardo Cozer

O cavalo selvagem trotava despreocupadamente pelo vasto mar de capim, como fizera por toda sua vida. Gostava de testar a explosão dos seus músculos e sentir o vento matinal pentear sua crina castanho-clara. Naquele fatídico dia, bebeu da água mais pura do lago que visitava diariamente. Mas então, quando o sol já havia atingido razoável altura na abóbada azul sobre sua cabeça, o jovem cavalo selvagem alcançou os limites de terras conhecidas até então. Nunca havia passado da densa floresta à sua frente.

- Por que não? - lançou o desafio para si mesmo, fungando com suas enormes narinas, enquanto curtia a adrenalina da possibilidade de viver uma grande aventura.

- E se o capim do lado de lá for ainda mais saboroso? E a água mais pura? - pensou além.

De maneira que nada mais podia detê-lo. E ele foi. Atravessando a floresta, sentiu calafrios e suas orelhas pontudas captaram sons estranhos em toda sua volta repetidas vezes. Sua imaginação eqüina lhe pregava peças e o fazia pensar em criaturas assustadoras que seriam capazes de dominá-lo toda vez que ouvia um ruído diferente vindo de trás das árvores.

- Toda grande recompensa exige uma árdua provação - convenceu-se, determinado a prosseguir. Afinal de contas, era um cavalo selvagem e precisava mais do que uma floresta escura para tirá-lo do seu caminho.

Ao sair da floresta densa, pode avistar algo novo, totalmente diferente. Era como se fosse uma toca de algum bicho muito, muito grande. E havia uma área ainda maior cercada por algo que pareciam troncos deitados e metodicamente empilhados. Muito curioso. Lá avistou um cavalo como ele, porém malhado, gordo e cheio de ornamentos sobre si. No mínimo excêntrico.

- Saudações, amigo eqüino! Como vai você? - perguntou cheio de entusiasmo o cavalo selvagem, maravilhado com a imponência de tudo que o cercava. Havia de ter chegado num lugar melhor.

- Quem é você? Eu já o vi antes? Duvido muito! Hummm... Como você chegou deste lado? Oh não! Rápido, rápido, esconda-se antes que eles o vejam - disparou o cavalo gordo de olhos ansiosos. Era óbvio que ele sabia de algo que seu interlocutor desconhecia completamente. E esta defasagem de informação o deixava ainda mais histérico.

- Calma, calma... O que há com você, meu amigo relinchador exagerado? Vejo um belo ambiente, grama verdinha a se perder de vista, água a um trote de distância... O que eu deveria temer por aqui? Acabo de vir da floresta. Não há nada lá. Ela é um pouco assustadora para quem não conhece, eu sei, mas... - falou e falou, posando de herói, até ser interrompido abruptamente.

- Tarde demais! Eles estão vindo, sua mula!!! Corra!!! - alertou mais uma vez o cavalo gordo e malhado.

- Quem? Aquelas figurinhas ridiculamente pequeninas? - indicou com seu pescoção comprido os quatro homens que vinham caminhando em sua direção - É a eles que devo temer? - relinchou longamente o cavalo selvagem do débil desespero do outro.

Foi então que, mais rápido do que uma batida de coração, sentiu uma pontada forte na sua anca. Uma dor profunda e lancinante. Passados alguns instantes, era como se seus músculos não mais o obedecessem. Ouviu mais alguns apelos em vão do companheiro que havia tentado alertá-lo mas já não conseguia discernir o que era real e o que era penumbra. Desabou inconsciente.

Desconhecia rédeas, selas e estribos. Nunca havia experimentado rações, água parada no bebedouro e a mobilidade estabelecida pelo comprimento de uma corda amarrada ao seu pescoço. Começava a entender que nada tinha de bom no lado de cá, além da floresta, que fora, de certa forma, sua proteção por tantos anos. E, acima de tudo, não suportava a visão do cavalo gordo e malhado que sempre lhe direcionava um olhar penoso e sem vida.

O jovem cavalo selvagem descobriu que para algumas duras provações impostas pela vida não havia recompensa equivalente. E descobriu da pior maneira possível. Tornou-se um velho cavalo domesticado e infeliz. 

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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Flores para Suzana



por Eduardo Cozer

Naquela manhã, Arlindo era a felicidade materializada em pessoa. Carregava um sorriso suave e abobalhado estampado nas faces e os pés não pareciam tocar o chão. O nó folgado em sua gravata e a parte posterior da perna esquerda da calça presa pela meia social contrastavam com a cautela com a qual o homenzarrão carregava o buquê de flores. Era nítido que Arlindo nadava a largas braçadas pelo oceano límpido do amor e apenas isso importava.

Deu uma passadinha à frente da casa dela antes de seguir para o batente. Ameaçou bater à porta, mas achou melhor apenas deixar as flores à soleira. Quando desceu os degraus da porta da casa da amada, parecia ainda mais anestesiado para a vida. Arlindo vivia um sonho rosado, brilhante, com um lindo rosto e belo corpo. Sentia que alguns homens que passavam o olhavam com o canto dos olhos, invejando-o pelo gosto pela vida que esbanjava. Naquela manhã, Arlindo se sentia amplamente superior a todos eles. Estava amando.

Suzana! Ah! Quanto mais pensava naquele nome, mais entorpecido ficava. Tinha algo nele... Talvez fosse um toque de aroma de dama da noite, talvez a sonoridade ou talvez por lembrá-lo da mulher amada. Só talvez... Enquanto isso, tatuava no seu córtex aquele nome, cada vez que o repetia para si mesmo. Era como se não precisasse de mais nada para viver. Respirar, se alimentar ou beber água? Para quê? Ele tinha Suzana para amar.

O dia de trabalho em seu calmo escritório foi interrompido uma série de vezes por culpa do seu próprio subconsciente, toda hora sabotando-o e dizendo: “Chega de trabalhar, homem! Vá ver Suzana!”. Às dezoito horas em ponto cedeu às suas vontades. Era sempre o último a sair e isso lhe dava ainda mais tranqüilidade de passar despedindo-se da secretária boquiaberta e colegas atônitos naquela tarde. Mal a porta bateu às suas costas, já havia um boato sobre seu estado de saúde e outro sobre sua saída do escritório. Tolos! Se pelo menos eles conhecessem Suzana, perceberiam as vidas medíocres que levam... 

No caminho de volta, obviamente, desviou do caminho mais curto para casa. Escolheu o caminho do seu coração. Sentia-se um jovem indo buscar sua companhia para o baile de formatura, caminhando apreensivo pela calçada e dando um último tapa no topete desajeitado. Foi então que a viu. Suzana! Ah, Suzana... A dor. De braços dados com um João Qualquer, às gargalhadas, ela descia a ladeira, despreocupada, voltando para casa. O casal feliz passou ao seu lado. O rapaz lhe deu um breve cumprimento com a cabeça. Arlindo os deixou passar, enfiou a cabeça entre os ombros e fez uma promessa a si mesmo. Tinha de ser a última vez. Nunca mais colocaria grandes expectativas nos seus amores platônicos.


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domingo, 12 de dezembro de 2010

Boa ação do dia



por Eduardo Cozer

Gente boa. Um sujeito legal. Grande figura! São alguns dos adjetivos que você poderia escutar se estivesse falando sobre Jurandir Justo, o Seu Justo, com conhecidos, parentes e familiares do homem. Exemplo de pai de família, marido perfeito, modelo de ética no trabalho e como cidadão. Curioso para conhecê-lo? Pois bem. Vamos acompanhá-lo numa programação em família rumo à praia no domingo de manhã.

Seu Justo sai com seu carro da garagem em alta velocidade, pois as crianças endiabradas tinham dado trabalho à mãe para passar protetor solar, e, assim, os Justo estavam um pouco atrasados. O vizinho que é quase atropelado pelo veículo saindo voando pela rampa vai entender. Afinal, Seu Justo havia de ter um bom motivo. Ele também não baixa o vidro para cumprimentar o porteiro nesta manhã. Não é por mal, mas não ia com a cara daquele nordestino. Dizia que seu santo não batia com o dele. Nada mais justo.

Pior que a manhã conturbada está apenas começando. Nada consegue tirar Seu Justo tanto do sério como o trânsito a caminho da praia. Não suporta dar a passagem para nenhum daqueles domingueiros que resolvem tirar suas carroças de casa em dia de praia. A buzina do seu carro é acionada dezessete vezes. Para as crianças pararem de encher sua paciência, compra salgadinhos com os ambulantes no meio da rua. Como bom pai que é, pede o lixo para as crianças e o despeja pela janela. Não pode conceber a idéia do seu carro cheio de farelos que podem atrair baratas. É preciso dar o exemplo. Nada mais justo.

Chegando à praia, define o local na areia onde a família deve se estabelecer. Discute por três vezes com uma senhora mal humorada que não entende que seus filhos precisam de espaço para brincar, correr e chutar areia nos outros. Mulher estúpida, ela que se mude de lá. É o que acaba acontecendo...  Carrega a filha no colo, aos prantos pelo fim do dia de diversão. Precisa dar algumas boas palmadas nela para que as outras crianças aprendam que chorar é errado. Nada mais justo.

Ao tirar seu carro da vaga, ao invés de dar dois reais ao guardador, dá uma nota de cinco “pro da cervejinha”. Vai embora abençoado pelos agradecimentos do guardador que o chama carinhosamente de “chefe”. Seu Justo dá um sorriso para a esposa e se reconforta no assento do seu carro. Missão cumprida. Poderia dormir tranqüilo por outra noite mais. Havia feito a boa ação do dia.

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domingo, 5 de dezembro de 2010

Um estranho à porta



por Eduardo Cozer

Quem olhava para Fernando ficava com uma pontada de dúvida sobre suas intenções enquanto o ônibus vencia cada metro de asfalto da longa rodovia no interior de Minas Gerais. Cada passageiro ali tinha os seus motivos para estar viajando em plena madrugada rumo ao Rio de Janeiro e não ousavam partilhá-los com os demais.

Muitos estavam cansados, com as pálpebras pesadas, e gostariam de poder se recostar na poltrona e dormir, entretanto, poucos conseguiam se sentir suficientemente à vontade para isso. Fernando estava um tanto apreensivo. Suava exageradamente e parecia estar repassando algum tipo de discurso mentalmente, pois seus lábios balbuciavam algumas coisas que ninguém conseguia captar, por mais silencioso que o ônibus estivesse.

Fernando fazia alguns movimentos contidos de cabeça e olhou ao redor inúmeras vezes quando percebeu que poderia estar sendo observado pelos outros passageiros. Não gostava de ser o centro das atenções. E assim, pelo fato de não querer parecer um completo maluco para os olhos curiosos que o observavam, acaba agindo de maneira suspeita. Quanto mais se esforçava, mais falhava nessa tarefa. Era um ciclo vicioso.

As oito horas de viagem passaram muito rápido para Fernando e, antes do que esperava, estava diante do seu grande desafio. E não se sentia completamente pronto para encará-lo. Subiu a soleira de madeira acinzentada. Ouviu um grande rangido vindo sob seus pés e percebeu como a escada era velha. Ergueu os olhos suavemente e logo entendeu que a casa inteira era tão antiga quanto as madeiras da escadinha. Respirou fundo.

Titubeando em frente à porta, pensou que este era o último momento em que poderia repassar seu discurso. As palmas de suas mãos só faltavam pingar de tanto suor acumulado. A garganta estava apertada de tal forma que era difícil engolir a própria saliva. Isso porque até mesmo a bile que subia de seu estômago o fazia sentir como se sua barriga tivesse dado um nó por dentro. Desembaralhou o bolo de palavras que flutuavam em sua cabeça e decidiu. A hora era agora e tinha que estar pronto.

O “toc-toc” na porta foi um tanto surreal e Fernando ficou na dúvida se não havia sido apenas as batidas de seu coração gerando aquele som que reverberou nos seus tímpanos. Seus sentidos estavam aguçados. Nunca esqueceu aquele som. Nem mesmo a forma como a porta balançou quando insistiu com mais duas batidas secas. Ouviu o arrastar de passos vindo de dentro da casa e sentiu o sangue que corria em suas veias esquentar. Já havia passado pela situação de estar à porta tantas outras vezes, mas esta, de longe, era a mais especial que podia se lembrar. Ouviu uma voz abafada perguntar:

- Quem é?

- Sou eu – respondeu simplesmente, deixando as emoções tomarem conta.

Nenhuma das duas frases estava no seu roteiro, tamanha a obviedade. Entretanto, foram mais do que suficientes para estabelecer a conciliação do pai com o filho que não se viam há exatos 28 anos. A espera chegara ao fim. Fernando sabia finalmente qual era a sensação de ter um pai.


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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Dia normal de ponte aérea no Brasil



por Eduardo Cozer

Passou pela porta envidraçada e adentrou num espaço amplo com ar refrigerado. Não conseguia mais entender o conceito de conforto sem a existência do ar condicionado. Suas passadas decididas e olhar injetado o faziam parecer um predador em estado de alerta máximo, exceto pelo fato de que estava de terno e gravata e carregava uma pasta preta cheia de papéis.

Reduziu consideravelmente a velocidade e posicionou-se atrás de outro senhor, trajado de maneira bastante parecida. Comemorou internamente o drible que conseguiu dar em uma família desorientada alguns metros atrás, fato que lhe fez ganhar duas posições na fila. Era meio estúpido, para falar a verdade, mas, se ele não fizesse desta forma, os outros fariam. De modo que era melhor comemorar esta pequena vitória do que amargar os últimos lugares.

Passaram-se 15 minutos até que fosse sua vez. Procurou demonstrar simpatia à atendente acreditando que isso poderia resguardá-lo de algum problema ou imprevisto. Doce destino... Descobriu que seu vôo estava atrasado e não havia nada que se podia fazer. Questionava-se sobre a utilidade daquela pessoa que lhe atendia se, sempre que surgia um problema – e já havia vivenciado muitos – nunca era possível fazer nada a respeito. Achou melhor não externar sua opinião e dirigiu-se ao segundo andar do aeroporto Santos Dumont.

Bufou, impotente, diante de mais uma fila. O ser humano adora filas! Levou mais 10 minutos até passar por um aparato que detectava se ele era ou não uma ameaça letal aos demais passageiros. Passou sem problemas, xingando internamente os passageiros de primeira viagem que viam naquele procedimento um verdadeiro entretenimento. E esquecendo que agira exatamente da mesma forma na sua estréia em aeroportos. Tolos, idiotas, pensou.

Daí para frente, mais espera. Sentou, leu uma revista, descobriu o novo portão do seu vôo atrasado, percebeu que ele estava mais atrasado do que a previsão de atraso que havia recebido, reclamou mais algumas vezes com os funcionários mocos da sua companhia aérea que nada faziam, entrou numa fila apinhada de gente 30 minutos antes de embarcar, olhou seu relógio quando já haviam se passado 45 minutos e, enfim, conseguiu entrar depois de um empurra-empurra de classe para ver quem entra primeiro num lugar onde os assentos já estão marcados. Não gostava de Zé Ramalho, mas pensou consigo “Ê, ô, vida de gado...”.

Dia normal de ponte aérea no Brasil.

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