domingo, 5 de dezembro de 2010

Um estranho à porta



por Eduardo Cozer

Quem olhava para Fernando ficava com uma pontada de dúvida sobre suas intenções enquanto o ônibus vencia cada metro de asfalto da longa rodovia no interior de Minas Gerais. Cada passageiro ali tinha os seus motivos para estar viajando em plena madrugada rumo ao Rio de Janeiro e não ousavam partilhá-los com os demais.

Muitos estavam cansados, com as pálpebras pesadas, e gostariam de poder se recostar na poltrona e dormir, entretanto, poucos conseguiam se sentir suficientemente à vontade para isso. Fernando estava um tanto apreensivo. Suava exageradamente e parecia estar repassando algum tipo de discurso mentalmente, pois seus lábios balbuciavam algumas coisas que ninguém conseguia captar, por mais silencioso que o ônibus estivesse.

Fernando fazia alguns movimentos contidos de cabeça e olhou ao redor inúmeras vezes quando percebeu que poderia estar sendo observado pelos outros passageiros. Não gostava de ser o centro das atenções. E assim, pelo fato de não querer parecer um completo maluco para os olhos curiosos que o observavam, acaba agindo de maneira suspeita. Quanto mais se esforçava, mais falhava nessa tarefa. Era um ciclo vicioso.

As oito horas de viagem passaram muito rápido para Fernando e, antes do que esperava, estava diante do seu grande desafio. E não se sentia completamente pronto para encará-lo. Subiu a soleira de madeira acinzentada. Ouviu um grande rangido vindo sob seus pés e percebeu como a escada era velha. Ergueu os olhos suavemente e logo entendeu que a casa inteira era tão antiga quanto as madeiras da escadinha. Respirou fundo.

Titubeando em frente à porta, pensou que este era o último momento em que poderia repassar seu discurso. As palmas de suas mãos só faltavam pingar de tanto suor acumulado. A garganta estava apertada de tal forma que era difícil engolir a própria saliva. Isso porque até mesmo a bile que subia de seu estômago o fazia sentir como se sua barriga tivesse dado um nó por dentro. Desembaralhou o bolo de palavras que flutuavam em sua cabeça e decidiu. A hora era agora e tinha que estar pronto.

O “toc-toc” na porta foi um tanto surreal e Fernando ficou na dúvida se não havia sido apenas as batidas de seu coração gerando aquele som que reverberou nos seus tímpanos. Seus sentidos estavam aguçados. Nunca esqueceu aquele som. Nem mesmo a forma como a porta balançou quando insistiu com mais duas batidas secas. Ouviu o arrastar de passos vindo de dentro da casa e sentiu o sangue que corria em suas veias esquentar. Já havia passado pela situação de estar à porta tantas outras vezes, mas esta, de longe, era a mais especial que podia se lembrar. Ouviu uma voz abafada perguntar:

- Quem é?

- Sou eu – respondeu simplesmente, deixando as emoções tomarem conta.

Nenhuma das duas frases estava no seu roteiro, tamanha a obviedade. Entretanto, foram mais do que suficientes para estabelecer a conciliação do pai com o filho que não se viam há exatos 28 anos. A espera chegara ao fim. Fernando sabia finalmente qual era a sensação de ter um pai.


4 comentários:

  1. A dificuldade de sermos simples. Ah, a vida ensina a subir ao palco e esquecer-se dos ensaios.
    Adorei. Parabéns.

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  2. Obrigado pelos comentários e a participação no blog, Angélica! Você ajuda a enriquecer as mensagens que eu tento passar!

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  3. Boa descrição, boa dose de emoção nos instigando a chegar a um final feliz, sem comprometer em nada o clímax desse texto. Como disse Angelica, porque é tão dificil sermos simples?
    Bete

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  4. Obrigado pela participação, Bete!

    A idéia era pegar mesmo estes pequenos detalhes da vida aos quais nunca damos atenção mas que costumam ser mais importantes do que pensamos!

    Sem contar o mistério que envolve a trama de uma pessoa viajando de volta ao seu passado para o que parece ser um acerto de contas, a princípio.

    Continue comentando!

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