domingo, 7 de novembro de 2010

Patologia ou obra do sobrenatural?



por Eduardo Cozer


O jovem doutor era uma sumidade em matéria de dermatologia e nem nos seus sonhos mais fantasiosos poderia imaginar que chegaria numa situação como esta. Acordou pela terceira vez na última hora, sentando-se na cama, a testa encharcada de suor. E o rádio-relógio na sua cabeceira gritava em letreiro verde neón: quinze para as quatro. A hora pairava fantasmagórica na escuridão sepulcral do quarto. Não conseguia esquecer o que tinha visto em seu consultório no dia anterior. E agora não sabia como poderia voltar ao trabalho logo mais, dentro de aproximadamente três horas. Estava aterrorizado, em pânico.

Era algo psicológico, tinha certeza. Uma mera questão de tentar ser mais racional e tentar organizar os pensamentos. O problema é que desde quando removeu seu jaleco após a consulta das dezenove horas daquela fatídica terça-feira, mal conseguiu debruçar seus olhos sobre qualquer outra pessoa. Estava com medo de sofrer o mesmo impacto que o havia traumatizado. Talvez a força que fez para não transparecer a repulsa que sentia enquanto estava na presença do paciente tenha agravado o efeito retardado da ojeriza que agora tinha por qualquer ser humano. Em menos de 24 horas havia desenvolvido um alto grau de aversão à figura humana. E assim, optou por se ausentar do trabalho.

Curioso, foi o que muitos disseram assim que souberam do problema. O doutor se tornara assunto freqüente nas rodinhas de parentes, amigos e colegas de trabalho mais próximos. A sua reclusão há meses já começava a preocupar seriamente muitos deles. Ele não saía de casa para nada e não tinha contato algum com ninguém. Comentava-se que trocara sua televisão pelo rádio apenas para evitar de ficar olhando mais rostos.  E para falar com ele, apenas via telefone.

Mas a verdade é que nem mesmo essas ferramentas de comunicação ele utilizava, pois, de uma forma ou de outra, o faziam se lembrar de olhos, bocas, narizes e, conseqüentemente, daquilo que havia visto. Era uma espiral louca que lhe lançava numa paranóia onde, qualquer coisa ao seu redor perdia sua característica e ganhava um rosto. Pensava que, por trás de todos aqueles livros, móveis e aparelhos havia uma criatura humana e isso lhe embrulhava o estômago. Tudo era gente olhando para ele. Tudo era nojento. E assim, os meses viraram estações inteiras, anos, uma década. O jovem e promissor doutor agora era um pobre doente paranóico.

Nunca aceitou as visitas de médicos e da última vez que foi visto na sua vizinhança, estava partindo desvairadamente em seu carro com tudo que podia carregar dentro e nunca mais voltou. Há boatos de que atualmente ele vive em alguma chácara distante de tudo e de todos ao sul. Quanto ao seu cliente das dezenove horas da fatídica terça-feira, o que foi possível averigüar é que nada constava na agenda do doutor e suas secretárias desconhecem a realização desta consulta. Tudo que elas sabem é que o doutor passara a última meia hora de trabalho sozinho, apenas ele e os botões do seu jaleco. Ou não.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

BlogBlogs.Com.Br