Pênalti. Agora era Tilico, a bola, o goleiro e o gol. A gorducha de couro, companheira de longa data, sua única aliada para alcançar o tão sonhado título. Sonho alimentado principalmente pela torcida do Bananense Futebol Clube por mais tempo do que o mais velho dos torcedores podia se lembrar. Para os 77 mil presentes, vivenciar o triunfo do seu pavilhão sobre todos os outros seria algo maravilhosamente inédito. Para todos os lados que se olhava podia-se ver homens, mulheres e crianças no estado mais pleno de sua conexão com o poder transcendental no qual criam.
Os olhos castanhos fixos no rosto do arqueiro adversário simbolizavam o peso que Tilico sentia e tentava não transparecer. A verdade é que o ambiente no Estádio das Bananeiras envolvia, emocionava e encantava, capaz de fazer com que marmanjos de cinqüenta anos na cara ficassem com olhos marejados. Com Tilico não poderia ser diferente. Cada gota grossa de suor que escorregava de sua testa explodia no gramado na forma de centenas de gotículas, irrigando o gramado do majestoso Bananeiras com sal, adrenalina e esperanças.
Na longa caminhada até o ponto de onde a penalidade máxima seria executada, o flash de sair correndo e escapar daquela pressão passou milhares de vezes por sua cabeça. Mas havia miríades de olhos sobre ele. No popular, não podia dar para trás agora. E procurava apagar pensamentos negativistas da cabeça. Mas quanto mais tentava afastá-los, mais os atraía. Por que isso sempre acontece com ele?
As pernas arqueadas, cobertas pelos meiões parcialmente arriados e sujos de lama, pesavam uma tonelada cada. Cada passo representava um esforço idêntico ao de disputar 90 minutos de uma final de Copa do Mundo. Do início da sua caminhada até chegar à meta, segurando a bola longe do corpo, como uma bomba-relógio prestes a explodir, mudara totalmente sua percepção a respeito de Roberto Baggio, vilão italiano no tetra mundial brasileiro em 1994. Afinal de contas, o pobre coitado era só um mero mortal. E bater um pênalti era responsabilidade demais até mesmo para o presidente do clube. É cruel demais com o executor da cobrança.
A torcida reverbera e Tilico escuta seu nome sendo gritado pela massa ensandecida. Chamavam-no de Tilico Lelé por conta das suas comemorações inusitadas e cheias de inspiração. Talvez seu apelido nunca tivesse feito tanto sentido quanto hoje. Pois, neste momento, Tilico estava psicologicamente em frangalhos.
Se recompôs. Encheu a mente de pensamentos bons. Olhou novamente para o goleiro adversário, agora com uma confiança altiva capaz de abalar a alma dos mais otimistas. Repetiu os movimentos sem pensar muito. Havia treinado penalidades sua vida inteira e poucas vezes havia desperdiçado cobranças em jogos oficiais. Deus não havia de ser tão injusto assim com ele. Porque ele era Tilico Lelé, ídolo da torcida. Ouviu o som seco da batida do seu pé esquerdo na bola. O turbilhão de sons se tornando uma zueira nos seus tímpanos. E o mundo ruiu sobre Tilico. Porque futebol não era uma invenção de Deus. E Ele pouco sabia sobre a façanha de tornar-se de herói a vilão em milésimos de segundo por culpa de uma penalidade máxima. Desabou incrédulo. Errara o chute da sua vida.
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