quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Habitué



por Eduardo Cozer

Pediu um copo de uísque meio debruçado sobre o balcão, o cotovelo esquerdo armado como se fosse uma asa quebrada sobre a pedra de mármore, a expressão carrancuda. Pelo menos uma dose de uísque não tinha como frustrar suas expectativas. Pessoas erram, mas não o uísque. Este era infalível.

Quem não o conhecesse pensaria se tratar de uma figura recém-saída de um reformatório daqueles para homens que usam camiseta regata e espancam suas mulheres antes de dormir um sono de pedra. Melhor que fosse assim. De fato estava dividindo aquele ambiente soturno, fedendo a vícios, com pessoas da pior categoria, de difícil definição. Mas que diabos! Era onde se sentia melhor desde quando podia se lembrar.

Um leve deslizar e o copo quadrado com três dedos da bebida cor de ocre saiu da mão do barman e se encaixou na sua mão direita perfeitamente. Deu uma rápida sacudida no conteúdo e virou tudo de uma só vez dentro da boca. Uma pausa de menos de um segundo para sentir o líquido explorar os cantos que nem mesmo a sua escova era capaz de alcançar, apesar das propagandas mentirosas que garantiam o contrário.

Então engoliu. Aquele gesto, para os mais atentos, parecia quase uma auto-flagelação. O brusco movimento em sua garganta acusando que, apesar de líquido, o uísque passou causando uma expansão maior do que sua traquéia comportava. Aquilo ultrapassava os limites físicos para os quais o canal fora projetado. Para quem viu, era possível dizer que houve uma enorme dilatação que desceu arranhando, queimando e, pior, gerando um já esperado desconforto. Acompanhado disto, uma contração facial aparentemente involuntária, igual àquela que fazia quando tinha que tomar creme de espinafre aos cinco anos. A diferença era a de que sua mãe não o estava pressionando a fazê-lo. Sequer havia algum tipo de vínculo com um prêmio, como uma mousse de chocolate, após a execução desta dolorosa missão. Não. Tipos que viram um copo de uísque daquela forma não estão interessados se vão ganhar sobremesa.

O resultado daquela experiência traumática, ainda que freqüente, para o seu organismo foi premeditado pelo menos meia hora antes de passar pela porta enferrujada e o letreiro brilhante cafona. E o barman que agora o encarava não tinha nada a ver com isso.

Mas isso já não importava mais. Acabara seu intervalo. Hora de voltar para assistir a aula de Ética. Um aceno de cabeça para os conhecidos. Desceu a ladeira rumo à escola mastigando um sanduíche de presunto e mais uma vez se foi...

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