Já havia enrolado aquele cabelo castanho-escuro anelado em seu indicador esquerdo uma dezena de vezes. Pronto. Estava decidido que não era isso que o faria tomar uma atitude. Soltou suavemente o cacho que, tal qual uma mola, contraiu-se instantaneamente, retornando ao único vão em que poderia se encaixar naquela vasta cabeleira. Deixou a mão pesada escorrer pela face oleosa gerando atrito com o dedos, como se aquilo que buscava estivesse localizado logo abaixo da epiderme. E como pinicava! A mão espalmada ainda percorreu seus lábios, provocando uma grande força contra o queixo protuberante, antes de pender morta.
Suspirou profundamente, franziu a testa, os olhos apertados. Parecia estar recobrando a lucidez daquele estado catatônico em que mergulhou anteriormente. Por quanto tempo estivera absorto em pensamentos vagos, revirando sua memória, revisitando fotografias pálidas de momentos que havia vivenciado? Não sabia dizer. Girou o pescoço para a direita, depois para a esquerda com um semblante de curiosidade inexplicável, vindo de alguém que conhecia cada canto do recinto em que se encontrava já fazia onze anos.
Massageou o pescoço enquanto piscava os olhos de forma alucinada. Era como se um flash tivesse acertado suas pupilas em cheio e, aos poucos, as formas iam voltando a ganhar contornos, cores e texturas. Agora, todo movimento parecia inédito, ousado demais. Estremeceu e sentiu os pêlos ao longo de todo o seu corpo se arrepiarem de súbito. Então era isso...
Desfrutou da deliciosa sensação da adrenalina percorrendo seu corpo, deixou o peito se estufar, os músculos se retesaram e ganharam vida como num passe de mágica. Levantou-se e deixou para trás aquela famigerada figura, sombria e cinzenta, fraca e incapaz, impotente e encolhida. Sujeitinho desprezível, pensou consigo mesmo. E assim, estava decidido. Começar do zero, tudo de novo. Apostar em si mesmo contra todas as probabilidades e previsões. Optara por se aventurar a viver em vez de ver a vida passar.
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