domingo, 24 de outubro de 2010

Bravo, Catarina



por Eduardo Cozer

Catarina sentou-se com suavidade em sua banqueta de madeira com a coluna elegantemente ereta e admirou-se ao espelho. Foi a criatura mais bela que já se sentou naquele assento. Estava linda, deslumbrante. Naquele momento ela era uma figura transcendental e era preciso fazer muita força para lembrar a si própria de que não passava de uma mera mortal reluzindo à luz de um holofote, pois todos os seus sentidos a seduziam em acreditar no contrário. Um desavisado que passasse por ela poderia jurar de pés juntos que teria visto uma aura ao redor daquela poderosa mulher. Pois a poucos minutos de estrear, Catarina parecia uma deusa recém-saída de uma pintura de um grande mestre do Realismo. Uma Vênus de Botticelli, talvez.

Entretanto, era de carne e osso. E, àquela altura dos acontecimentos da noite de estréia, era como se o centro do mundo estivesse no seu estômago e controlar o nervosismo era algo simplesmente impossível. Sempre tentava se preparar para os grandes dias, se convencer de que no fim das contas era só mais uma noite, mas, quanto mais passavam os anos, mais nervosa parecia ficar. Respirava fundo, porém, ao expirar podia sentir que seu corpo era pura tremedeira enquanto expulsava o ar do busto inflado aos solavancos.

Gostava de pensar que isso significava que estava viva e ainda se importava com aquilo que amava fazer. E desta forma, tentando controlar o nervosismo, não conseguindo e se convencendo de que isso era bom, Catarina deixava o tempo passar até ser chamada para o palco do Teatro Mariinski. Nunca conseguia afastar da cabeça o pensamento de que seu tempo para o balé estava se esgotando mais rápido do que ela podia aceitar.

Aí, passada a coxia e a poucos centímetros de entrar em cena, vestia-se de confiança e tornava-se a bailarina protagonista do mundialmente famoso grupo de balé russo. Sentia que durante aquelas horas em que se desenrolava o espetáculo era como se o público vivesse todas as emoções através dela. Risos, lágrimas, excitação e angústia.

No caso, Catarina vivia uma princesa que, após espetar seu dedo em uma rosa no seu décimo sexto aniversário, entrava num estado de sono profundo. E seria libertada desta terrível maldição, arquitetada por uma fada maligna, apenas com o beijo do seu amor verdadeiro. Catarina, agora como Princesa Aurora, sem sequer abrir sua boca tinha a capacidade de tomar o público em suas mãos e fazê-lo viajar enquanto acompanhava seu gestual leve, belo, capaz de hipnotizar. As composições de Tchaikovsky eram o golpe de misericórdia nos espectadores, já rendidos pela graça e movimentos simétricos performados por Catarina.

Aplausos entusiasmados. Bravo! Bravo! Rosas aos pés. Podia até mesmo ouvir algumas pessoas saudando-a pessoalmente. Bravo, Catarina, bravo! As cortinas baixam. Catarina, com a cabeça humildemente reclinada para baixo, chora copiosamente e não sabe se será capaz de fazer tudo aquilo novamente. Amava demais o balé.

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