Luciano sempre achou curioso como engatamos um sonho no outro e como esta transição é confusa. Mais ou menos como na noite passada em que, após um sonho maravilhoso, lembrava-se apenas de um borrão de imagens e de repentinamente se encontrar em outro sonho que nada tinha a ver com o anterior.
Sonhou que se encontrava em um lugar onde tinha que dar de bandeja praticamente metade de toda sua riqueza para os governantes e, quanto a isto, não tinha negociação. Neste lugar, milhares de pessoas perdiam suas vidas diariamente e isso não parecia incomodar a ninguém. Na verdade, o certo era viver se deslocando de uma jaula para a outra, pois andar livre e despreocupadamente era simplesmente perigoso demais e, não fazer isso era o mesmo que assumir os riscos de perder a própria vida sem mais nem menos. Pelas janelas de casa e dos seus meios de transporte podia testemunhar a sujeira, a miséria e a falta de educação no trato entre os cidadãos. Podia jurar que tinha visto um senhor idoso prostrado em um beco aos prantos, desesperado, pedindo ajuda sem ser atendido pelos passantes.
A sensação em relação às pessoas que observava era de que elas não se sentiam donas do lugar em que viviam, pois seus dejetos ficavam expostos a céu aberto e próximos às suas próprias residências. A água dos rios aonde elas se banhavam era a mesma que continha uma carcaça pútrida de um animal irreconhecível boiando. Até onde a vista podia alcançar só se podia ver terra batida, infértil e sem cuidados. Havia um ar blasé em toda aquela gente. Parecia que alguém havia passado por ali e lhes arrancado todos os sonhos, ambições e perspectivas de um futuro melhor. Aquelas pessoas pareciam estar tão compenetradas em suas simplórias tarefas que não perceberiam se o Messias para quem tanto rezam aterrissasse em meio a elas e começasse a operar milagres.
Talvez, também, pelo fato de que, naquele lugar, as pessoas viram passar alguns sujeitos que chegavam como agentes da esperança, mas apenas faziam suas contribuições ao longo rastro de frustração já existente. Eles sempre vinham cheios de boas intenções, um grande repertório de palavras bonitas e um punhado de promessas. E sempre muito distintos na forma de se trajar. Usavam ternos, vestidos, fardas e batinas. Porém, fosse qual fosse o conteúdo de seus variados discursos, o objetivo era um só: se aproveitar das crenças e expectativas dos outros para atingir seus próprios interesses materiais. Era isso que tirava aquele brilho natural das pessoas e as deixavam tão opacas e robotizadas. Não podia vislumbrar em nenhuma delas a capacidade de mudar o status quo.
Só sabia que aquele era um lugar que lhe dava ânsia de vômito e pensou que nunca poderia se sentir parte daquela sociedade, tamanha sua repulsa a tudo que estava vendo. Simplesmente não podia ver um papel que pudesse desempenhar ali. Não se encaixava. Começou a sentir um grande incômodo. Dor física mesmo, generalizada e sem um ponto de origem claro. Um sentimento crescente de impotência. Angústia... Ah, não, chega! Isso é um pesadelo! Não quero mais sonhar com esse lugar nojento e essas pessoas fracas de espírito.
Foi então que Luciano percebeu que não podia acordar, até porque jamais estivera dormindo. Recuperou a compostura e ajeitou seu cabelo. Colocou aquele sorriso babaca no rosto, passou pelo porteiro fingindo que o respeitava, limpou sua mente e seguiu seu caminho, convencendo-se de que era feliz.
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