A cama está sempre tão quentinha a essa hora que o corpo não parece estar minimamente interessado em sair deste abraço e se levantar para dar “bom dia”. Sente um peso acima do normal nos ossos e seus músculos ficam reticentes em começar a trabalhar. Poderia ficar o dia inteiro ali esparramado, curtindo os resquícios de preguiça que vão se esvaindo paulatinamente a cada expiração. Até que ouve passos pela casa, água respingando na pia e o tilintar de talheres se espalhando sobre a mesa de madeira. O som de vida apoderando-se de forma gradativa do ambiente que há poucas horas era habitado pelo mais puro silêncio. Talvez se rolar pro lado ainda consiga engatar novamente naquele sonho, pondera.
Mas a barriga envia uma sucinta mensagem ao organismo na forma de um ronco. Assim, entende que não vai mais dormir. Espreguiça-se, esticando todos os membros do corpo, e abre a boca num demorado bocejo. Cambaleia nos primeiros metros a serem vencidos. A cabeça pendendo levemente à frente e balançando conforme o impacto das passadas trôpegas no chão da casa. A percepção do que é sonho e o que é realidade ainda não muito clara. Os olhos semicerrados, ofuscados pela luz solar radiante, ainda não funcionam perfeitamente. Todavia, isso não o atrapalha no deslocamento, pois o aroma do café fresquinho é seu melhor guia àquela hora da manhã.
Logo chega à cozinha. Senta-se e fica observando as pessoas que estão à mesa comerem. De manhã, naquela casa, todos costumam ser mais introspectivos, preferindo ler o jornal. O mais próximo que se chega de uma conversa é a troca de ruídos entre pai e mãe, que mastigam a comida com as bocas excessivamente abertas. O fato é que não come nada nos cafés-da-manhã, mas, ainda assim, gosta de participar da movimentação matutina da família.
Ainda cedo, a filha mais velha acaba brigando com a mãe por algum motivo bobo. Uma grita de cá, a outra acolá. Não se importa muito com isso, pois depois dessas brigas sempre lhe sobra uma sessão de afagos da mãe, ainda chateada com a rotina de discussões matinais com a menina, que sai varada para o seu quarto, deixando um rastro de raiva pré-adolescente nos aposentos pelos quais passa. Despende longo tempo no colo dela, curtindo aquele chamego. Às vezes chega até a cochilar. A filha mais velha, atrasada e irritadiça, sai às pressas para o colégio batendo a porta de casa sem se despedir. Quando voltar mais tarde estará bem mais dócil, tinha certeza.
Aí então desce do colo e vai brincar um pouco ao sol no quintal. Diverte-se por um punhado de horas correndo atrás de pássaros, descobrindo formigueiros – o que por vezes revela-se doloroso! – e apreciando o aroma das flores na jardineira. De repente chega a sua hora. Basta ver a cabeça da mãe para fora da casa procurando-o e já sabe o que é. Nem precisava mais escutar aquele velho assobio agudo. Sai em disparada e chega antes da ração cair quicando na grande tigela vermelho-desbotada com o nome “Bolota” gravado, por conta da mancha preta arredondada que tinha perto do traseiro. Late de forma enlouquecida, a baba consistente dependurada na base do focinho. Dá cabo da comida em poucos segundos e passa as duas primeiras horas da tarde à sombra da mangueira no quintal dos fundos. Deliciosa lombeira! Não podia reclamar da vida.
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